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Abstract:
An article about the 50 years of the Faith in the Islands of Cape Verde.
Notes:
The text was published in a Cape Verdian newspaper and later in a Portuguese Bahá'í blog, povodebaha.blogspot.com.
Language: Portuguese.

Os 50 Anos da Fé Bahá'í em Cabo Verde

by Varqa Jalali

Lisbon: 2004-11-28
Foi em 1954 que a Comunidade Bahá’í se fixou em Cabo Verde, com a chegada à Cidade da Praia do casal americano Howard e JoAnne Menking. Este artigo apresenta um breve relato desta extraordinária efeméride e da vida deste notável casal, antes da celebração dos 50 anos da Fé Bahá’í em Cabo Verde, que irá ocorrer no próximo dia 28 de Novembro, na Cidade da Praia.

A história da Fé Bahá’í em Cabo Verde começa curiosamente fora do arquipélago, “dés gronzinho di tera ki Deus spadja na meio di mar”. Começa do outro lado do Oceano, na vastidão dos Estados Unidos da América. A história tem, por vezes, destas coisas. Muitos são os cabo-verdianos e cabo-verdianas que, com o seu esforço e labor, contribuíram – e ainda contribuem – para a economia americana. Os padrões de migração entre Cabo Verde e Estados Unidos continuam substanciais. Mas não-recíprocos.

Se este padrão permanece perceptível mesmo nos dias que correm, ele era ainda mais intenso no longínquo ano de 1954. A emigração era na altura uma das poucas estratégias de “saída” (Hirschman, 1970) de um sistema subjugado por um regime colonial e ditatorial, deixado à mercê dos humores voláteis da chuva e do tempo. E nesse contexto, a emigração para os Estados Unidos, a viver os seus “glorious fifties” do pós-guerra, era um destino privilegiado.

Quis contudo a história que o saldo da migração entre os Estados Unidos e Cabo Verde não fosse inteiramente unívoco e unidireccional nesse longínquo ano de 1954. Pois seria em Janeiro desse ano que desembarcaria na Cidade da Praia o casal americano Howard e JoAnne Menking.

Howard Menking tinha apenas 29 anos quando pisou pela primeira vez no solo cabo-verdiano. Nascido em 1925, no estado do Indiana, o seu currículo era já distinguido, tendo servido durante a Segunda Guerra Mundial no “Navy Air Cadet Program” da Marinha americana. Os horrores da guerra por ele testemunhados dificilmente poderiam ser mais intensos – Howard Menking esteve no primeiro barco americano a chegar a Hiroshima depois do fim da Segunda Guerra Mundial, e como tal entre os primeiros a testemunhar a devastação que a guerra provoca.

Após a guerra, Howard regressou aos Estados Unidos onde iniciou uma promissora carreira como gestor de várias empresas (das quais se tornou proprietário), e casou com JoAnne Kinsey em 1945. Por outras palavras, a vida do casal Howard e JoAnne Menking seguia os padrões normais do ‘post-war boom’ americano.

Mas por vezes a vida tem momentos decisivos, momentos onde somos levados a reflectir sobre o nosso papel perante a humanidade, momentos em que temos a opção de seguir o caminho habitual ou de trilhar o caminho em que acreditamos, o caminho que pode trazer algo ao mundo e à humanidade. Para o casal Menking, esse momento viria a ocorrer em 1949. Foi nesse ano que o casal Menking conheceu a Fé Bahá’í, e foi nesse mesmo ano que o casal Menking abraçou esta Mensagem.

É naturalmente impossível relatar aqui toda a profundidade que o casal Menking encontrou na mensagem de Bahá’u’lláh. Se a Comunidade Bahá’í é hoje em dia um membro respeitado e relevante – apesar de recente – no mundo religioso, tal deve-se exclusivamente à nobreza dos ideais que preconiza. O estatuto consultivo da Comunidade Bahá’í junto à Organização das Nações Unidas (ONU), bem como de outras instituições do sistema das Nações Unidas, ou o facto de ser um elemento activo no diálogo inter-religioso, demonstram amplamente o respeito com que a Comunidade Bahá’í é considerada aos mais variados níveis. De igual modo, o trabalho que a Comunidade Bahá’í tem desenvolvido para a unidade da humanidade, para o avanço do papel da mulher, pelos direitos humanos, pela educação universal ou pela justiça e cooperação mundial, é também largamente reconhecido.

Mas no fundo, a religião também envolve algo mais do que isto. A religião – a verdadeira religião – envolve também uma transformação do ser humano num ser mais nobre, numa nobreza que é demonstrada pelo amor, humildade e generosidade para com todos aqueles com quem partilhamos este pequeno e frágil espaço chamado Terra. Como refere o fundador da Fé Bahá’í, Bahá’u’lláh (1817-1892), é através de “acções puras e dignas, de conduta louvável e digna [que] a melhora do mundo pode ser realizada”; e aquelas virtudes que convêm à dignidade do ser humano “são a tolerância, a misericórdia, a compaixão e a benevolência para com todos os povos e raças da terra”, porque no fundo “a terra é um só país e a humanidade os seus cidadãos”. Palavras belas certamente; mas palavras que implicam não só reflexão mas também acção (e é interessante notar aqui a instrução de Bahá’u’lláh que “Sejam actos, e não palavras, o vosso adorno”).

Abandonar uma carreira profissional promissora nos “glorious fifties” para se radicar em Cabo Verde seria algo de impensável para muitos dos contemporâneos do casal Menking. Mas o casal Menking demonstrou essa capacidade de colocar os interesses dos outros acima dos seus. Impelidos por esta nova mensagem, pelo princípio da unidade da humanidade, pela visão da terra como um só país, pela visão de todos os seres humanos – independentemente de classe, cor, religião ou nação – como membros da mesma família humana, o casal Menking abandonou os seus negócios por Cabo Verde. Se hoje temos o privilégio de celebrar 50 anos da Comunidade Bahá’í em Cabo Verde, tal deve-se ao desprendimento que este casal demonstrou em 1954.

Pouco depois da vinda do casal Menking, começa a nascer a Comunidade Bahá’í de Cabo Verde. No início de 1956 dá-se um momento histórico, com o primeiro cabo-verdeano (de seu nome Frutuoso) a abraçar a mensagem de Bahá’u’lláh. A ele seguem-se vários outros, e em Abril de 1956 existe um número suficiente de Bahá’ís para eleger a primeira Assembleia Espiritual Local de Cabo Verde1, na Cidade da Praia (ver foto). Um dos membros eleitos para esta primeira Assembleia Espiritual Local foi o saudoso Sr. Avelino Barros, que recentemente abandonou esta vida terrestre.

O casal Menking deixou Cabo Verde em 1957, quando sentiu que Comunidade Bahá’í de Cabo Verde era já suficientemente forte para caminhar por si só. O facto deste ano se celebrarem os 50 anos da Fé neste país demonstra que a sua percepção não estava errada, apesar das saudades que deixaram. Hoje, a Comunidade Bahá’í continua galvanizada por uma visão da prosperidade humana no mais pleno sentido da palavra – um despertar para as possibilidades de bem-estar material mas também espiritual e humano. Pois apesar de importantes, os benefícios materiais por si só não elevam o espírito do homem.

Num mundo em que os valores materialistas cada vez mais se sobrepõem à dimensão humana e espiritual do ser humano, a Comunidade Bahá’í de Cabo Verde apresenta três actividades que contribuem para este vital reequilibrar, numa perspectiva holística do que é o Homem. A primeira destas actividades são os círculos de estudo, que através de uma metodologia profundamente interactiva exploram as questões mais profundas que o ser humano se coloca, como a vida depois da morte, a oração, e a vida do espírito. A segunda são reuniões devocionais, de modo a ter oásis de reflexão nas nossas vidas cada vez mais conturbadas. Como refere Bahá’u’lláh, “Cada palavra que procede dos lábios de Deus é dotada de tal potência que pode instilar nova vida em todo corpo humano”. A terceira abarca a educação espiritual das crianças, mais uma vez numa dinâmica interactiva e aberta, que ajude as crianças a desenvolverem virtudes universais como a honestidade, a misericórdia, a amizade, o serviço, a compaixão, a bondade e o amor para com todos os povos. Todas estas actividades são abertas à comunidade em geral, de modo serem um contributo à sociedade e a contribuírem para “levar avante uma civilização em progresso contínuo” – aquele que é o objectivo central da Comunidade Bahá’í, nos mais de 230 países e territórios onde existe2.

Quis o destino que a mensagem de Bahá’u’lláh fosse trazida a Cabo Verde por um casal americano. A história tem por vezes destas ironias. Mas a ligação do casal Menking ao nosso arquipélago não acabou com o seu regresso aos Estados Unidos. A filha mais velha do casal Menking, Cristina, nasceu em a 25 de Dezembro de 1955 em solo cabo-verdeano, na Cidade da Praia. Como os amigos caboverdeanos do casal diziam na altura, Cristina Menking era a “bebé caboverdeana”, e estes são elos que nunca são perdidos.

JoAnne Kinsey viria a falecer em Maio de 1988, vítima de cancro. Uma vida singela, numa vida que perdura, porque o serviço ao seu semelhante nunca é esquecido. O seu marido ainda está entre nós, e apesar da idade avançada (Howard Menking irá celebrar o seu octogésimo aniversário em 2005), continua activo no serviço à humanidade. Esperamos que as forças lhe permitam vir a Cabo Verde para este 50º aniversário da Fé – para ver como a semente que lançou se tornou numa planta firme, e que em breve dará os frutos mais gloriosos.
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